31 julho, 2005

tropicalista luta

meus livros de férias, parte sete.

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"(...) Trocando em miúdos, naquela tarde, eu, que não tinha e
não era nada, a não ser a pífia qualificação social de usurpador
do nome de uma família que não me queria, passei a existir,
por aquele batismo de destinação.
Na experiência de outra vez nascer, o olhar interno re-
conhecia um ser humano dentro de mim. Que benção! O sabor
do "é" estava na minha saliva. Como ser vivente, participante
em conterraneidade com todas as almas nascidas naquele
Irará, eu existia diante de Deus e dos meus. Era um. Como
todos e igual a todos, um. Numa situação que, não tendo nada
de pejorativo, qualquer outro "um" podia me dar o braço e me
admitir na comunidade. Sem a canga do pejo, a cabeça, partin-
do da posição da fera, subindo cada palmo, não acredita na
audácia de alçar-se. No percurso do animal ousando humani-
dade, repassam-se humilhações em cada polegada. E a cabeça
continua subindo por aquela fenda no espaço não sabida.
Humanidade dói porque as vértebras ainda não têm os mus-
cúlos da nova posição. Por isso humanidade dói. O peito
literalmente rasga-se com uma lâmina de ar, para se abrir.
Voltando à posição prevista pela natureza, no percurso da
cabeça de volta ao topo, a mente, em cada novo centímetro,
como numa estação de trem, desembrulha a face e o ódio do
demônio que, no momento pretérito do aleijamento, amarra-
va as cordas da minha canga. Quando a cabeça chega no alto
os pés bambeiam. Andar sobre dois é arte do homem. Difícil.
Em cinzas, jazia o recusado. "


" Tropicalista Lenta Luta ", de Tom Zé

30 julho, 2005

lágrimas

Bárbaros dias.
Mais um golpe no coração da cidade definhante.
Cidade já pouco invicta.
Burgo de já poucos comércios e fracos mercados.
Cidade sitiada, vítima da roda livre do mercado livre.
Apenas lágrimas. Pouco mais haverá a fazer.
Lágrimas talvez de esperança.
E esperar por dias melhores.

Bolhão

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© Janeiro 2005


Parece que o tom dos protestos subiu no Bolhão.
Revoltoso rio subterrâneo.
Já viveram dias mais tranquilos, os pombos.

o amor é o que é

meus livros de férias, parte seis.

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"(...) O Verão principiara já e tu gostavas de ir à praia e ficar ao
sol como uma lagartixa preguiçosa e eu acompanhava-te, mesmo
não gostando de areia nem de ficar estendido sem nada para fa-
zer. Ia contigo à praia e ficava a ver enquanto o sol te dourava o
corpo, satisfeito por poder contemplar, preguiçando, o torneado
sublime das tuas formas. Dormias ou fechavas apenas a cortina
das pálpebras para ver como os meus olhos rolavam pelo teu
corpo? Não interessa. Se recordo que era Verão é porque tinhas
no corpo a marca pálida do biquini e porque esse era o prémio
que eu recebia por ficar a ver-te-te corar ao sol: o sublinhado
subtil dos teus seios rijos, da tua púbis; a festa de eros que se me
oferecia, pura como o leite acabado de mugir, num corpo dourado
de vénus do sul, de ébano, como as divindades negras. Se o lem-
bro é porque os nossos corpos transpiravam e deixaram desbota-
das as letras do meu poema e húmidas as páginas do meu caderno.
Lembras-te? Disseste:
- É melhor passares tudo a limpo para outro caderno.
E eu respondi que
- Este não está sujo. E, depois, são só palavras. (...)"



" O amor é para os parvos ", de Manuel Jorge Marmelo

29 julho, 2005

mergulho no livro

meus livros de férias, parte cinco.


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"(...) - A baronesa, vê tu, deixou aqui o romance que anda a ler.
Ficou todo molhado do chuveiro da rega... Olha para isto...
- Como é que se chama? - indaga o outro, sem excesso de
interesse, parece perguntar por perguntar.
- O Apicultor e o Bidão de Mel, raio de título. É dum desses
autores portugueses que andam para aí, nabóides a escrever.
Estive a folhear. Um atraso de vida. Perdas de tempo, deambu-
lações, opiniões, descrições, filosofias, desarrumação... um bo-
cejo, pá. Eu, cá para mim, um livro deve apressar-se para o
evento começar logo a meio da coisa e eliminar os desvios e as
imaginações que só servem para encher. Um homem com pes-
coço de cavalo, por exemplo. Sonhos de doente, estás tu a ver?
- Ai o gajo meteu um homem com pescoço de cavalo?
- Não exageremos. Isto era eu a pensar...
O coronel Lencastre também manifestará opiniões sobre roman-
ces. Depois duma parada destas, não vai ficar calado... E notar-
-se-á um ligeiro sotaque, quase imperceptível, que rebate algu-
mas vogais abertas.
- Eu acho - dirá - que o mais importante é o entrecho, a acção.
Depois vêm as personagens e o respectivo desenho moral. A
seguir o pensamento, os conceitos. Mas também a maneira como
está escrito, o português, se é bom ou mau. Há ainda a toada, o
ritmo que é importante. Finalmente, o modo como os aconteci-
mentos são postos diante dos nossos olhos, a... como hei-de
dizer? A espectacularidade da coisa.
- É pá, isso é muito bem visto...
- Sempre pensei assim. Mas eu há trinta anos que não leio um ro-
mance. O último foi dum tal Teixeira de Vasconcelos, Um Prato de
Arroz Doce, em dois volumes. Ficou esquecido no quartel, em
Angola por um alferes que veio para a metrópole com parte de
doente. Grande livro!
- Deve dizer-se logo o que tem de ser dito, e pôr os pormenores
de lado, não achas?
- Pois, para mim, os factos devem estar numa tal relação que,
suprimido ou deslocado um deles, também o conjunto se trans-
forme ou confunda. O que se pode acrescentar ou tirar sem conse-
quências não faz parte do todo. Esta é, pelo menos, a minha
modesta opinião.
- E as piscadelas de olho? Há gajos que se fartam de fazer cita-
ções encapotadas só para ver se a malta dá por isso!
- Peneiras... Charadices...
- Atiro o livro da baronesa prà piscina?
- É pá, ó Maciel, sê caridoso para com a tua mulher, pá!
- Francamente, não sei se estas leituras lhe fazem bem... (...) "


" Fantasia Para Dois Coronéis e uma Piscina ", Mário de Carvalho

28 julho, 2005

a teus pés

meus livros de férias, parte quatro.

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" A história está completa: wide sargasso sea, azul
azul que não me espanta, e canta como uma
sereia de papel. "


do livro " A Teus Pés ", de Ana Cristina César




27 julho, 2005

triângulos

meus livros de férias, parte três.

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" Nada, esta espuma "

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.

do livro " A Teus Pés " de Ana Cristina César

26 julho, 2005

de bicicleta até ao mar

meus livros de férias, parte dois.

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"Queria falar da morte
e sua juventude me afagava.
Uma estabanada, alvíssima,
um palito. Entre dentes
não maldizia a distração
elétrica, beleza ossuda
al mare. Afogava-me."

do livro " A Teus Pés " de Ana Cristina César

25 julho, 2005

meu sonhado pequeno paraíso

meus livros de férias, parte um.

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"(...) Tinham-se conhecido desde sempre, estes dois. Tinham crescido na pequena cidade do South Dakota chamada "Alma" (pelo menos, era o que estava escrito na tabuleta dos correios). Ao longo dos anos percorreram vários caminhos diferentes, mas sempre arranjaram maneira de se reencontrar, até que, por fim, após separações e mortes de mulheres, e de os filhos se mudarem para o inferno de silicone dos computadores, eles decidiram partilhar a mesma casa de campo, pequena, feita de blocos de cimento e cinzas ce carvão, nos limites de Twentynine Palms. Chegava muito bem para eles. Havia já onze anos que ali viviam, com relativa satisfação. Tiveram alguns altos e baixos de pouca importância, como daquela vez em que Sherman descobriu que Dean tinha matado dezasseis codornizes da varanda das traseiras com a sua calibre-20, e depois teve a coragem de cozinhar os peitos numa caçarola de ferro e de servir todo o pitéu sobre ovos mexidos ao pequeno-almoço. A verdade é que Sherman chorou por causa das codornizes, e Dean sentiu-se culpado durante alguns dias em que ficou sentado na sua cadeira de balouço, apercebendo-se do silêncio mortal que provocara em redor da casa. Só passadas umas duas boas semanas é que as codornizes recuperaram confiança suficiente para voltar a aninhar-se ali, com o seu piar suave e tranquilo. Por essa altura, Sherman já perdoara Dean e estavam a braços com novas preocupações, mais excitantes - nomeadamente uma empregada de mesa do Denny's chamada Faye. Uma coisa que os dois tinham era um olho infalível para tudo o que fosse empregadas de mesa. (...)"

" O Grande Sonho do Paraíso ", Sam Shepard

24 julho, 2005

regresso

poder regressar de mansinho...
como quem não quer a coisa.
agora que me habituara de novo ao silêncio.
ao meu silêncio.
poder voltar sem darem por mim.
como se este espaço pudesse ser continuado,
sem eu nada mostrar ou escrever.
como se esta esquina pudesse sobreviver do já vivido,
ou apenas das palavras dos outros...

mas, na verdade, aí estou.
de volta para o meu desassossego.

01 julho, 2005

rumar a sul

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Pausa neste blogue. É tempo de férias. É sobretudo tempo de respirar ar muito puro,
e muito fundo. Tempo para descansar. Para acostar-me sobre o amor e adormecer
sob o riso das crianças. Tempo de curtir o sal e a sede. Tempo de abrir o corpo ao cheiro da esteva, e ao sumo divino das laranjas. Tempo de ver a barriguinha crescer, por o pão ser tão
"bão"! Tempo, enfim, para as coisas simples da vida. Esquecer a tirania das palavras a digitar
neste espaço, e sim devorar os livros comprados ao longo do ano, dos quais, por uma razão ou outra, se adiou a leitura.
E tempo para mar, mar e mar. O mar frio atlântico. Mergulhar nele inteiro, e de lá sair rejuvenescido.

Mas confesso uma angustiazinha. Receio que, no regresso, me aperceba que já ninguém se
lembre deste porto...
Preciso sentir que ficam à minha espera. Que por cá continuarão a navegar.
Eu volto breve. Férias de pobre são assim. Uns dias bem antes do final de Julho, estarei de
regresso...e boas férias!

o sol, o mar e os tubarões

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escutar os cheiros, saborear os silêncios

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estio, tempo de pousio

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